O conto é a versão literária de narrativas; uma obra de ficção. Como todos os textos de ficção, o conto apresenta um narrador, personagens, ponto de vista e enredo. O conto é um texto conciso, que busca através de poucas palavras denunciar os desajustes e perturbações interiores do ser humano. Ao leitor desatento, isso muitas vezes pode passar despercebido. O conto é definido pela sua pequena extensão. Sendo mais curto que o romance, possui uma história e apenas um clímax. Pela brevidade e pela narrativa de fácil entendimento, o conto tem se tornado uma maneira interessante e prática de contar histórias.
Um exemplo de conto:
Nevasca (Leila Guenther)
......Ela percorria o espaço do apartamento onde moravam enquanto ele falava, seguindo-a. Era assim que sua impaciência se manifestava quando discutiam, com passos lentos mas ininterruptos, da cozinha à sala, da sala ao quarto, do quarto novamente à cozinha. Quando terminasse de ouvir as queixas, ela então cessaria os movimentos, estancaria provavelmente em uma das cadeiras da cozinha e tomaria a palavra. Antes, não era assim: não agüentava ouvir tudo calada, intrometia-se nas falas do outro, o sangue corando as faces, numa irritação febril. Agora podia argumentar sem elevar o tom da voz, aprendendo até a se calar. Sim, ele reclamava com razão, ela agira mal, desagradara-o com sua imaturidade e insegurança, resquícios da adolescência mal terminada que ainda guardava teimosamente ao entrar nessa outra fase de sua vida.
......Quando finalmente iria responder, ela olhou os próprios pés, numa tentativa de esboçar uma humildade reflexiva. Naquele dia fizera algo novo: pintara as unhas. Com um esmalte cintilante e leitoso, esbranquiçado. As unhas pintadas sobressaíam-se dos pés descalços, ligeiramente pardos, amarelados pelo verão. A visão desagradou-a profundamente. Os pés, de cuja delicadeza sempre se admirara, pareceram-lhe vulgares no bronzeado que se esvaía e na grossa camada de tinta que cobria as unhas. Pela falta de hábito, sabia que as havia pintado como uma criança que usasse escondido os produtos de beleza da mãe. Grosseiros, descuidados. E, assim, de repente, aqueles pés fizeram-na duvidar de si mesma. Aquilo não era ela. E o frio crônico que a acometia sempre que era vítima do estranhamento gelou-lhe as extremidades, e nenhuma voz saía-lhe da garganta. Faltavam-lhe apenas sandálias de tiras vermelho-vivo que, por bom gosto, pensava, nunca calçara. As palavras do outro soaram-lhe absurdas: era um desconhecido que falava. Nunca o vira antes. E pareceu-lhe improvável que morasse com aquele homem há três anos.
Leila Guenther nasceu em Blumenau, SC, em 1076. É formada em Letras pela USP. Atualmente é revisora de texto em Campinas, onde mora. Publicou o livro ‘O Voo Noturno das Galinhas’ (SP. Ateliê Editorial, 2006); além de contos em jornais e revistas de literatura.